Eu
te amo! Descobri isso enquanto distante, longe do seu ar que me
dá energia para viver.
Terra, minha Terra! Pequeno planeta.
Terra, linda, esplêndida, maravilhosa!
Terra, mãe. Espaçonave que nos leva e protege através
do espaço. Pequenos astronautas nesse Universo desconhecido.
Sua visão inspira, nos faz pensar no que somos, para que
somos, para onde vamos.
O começo da jornada é turbulento. Incertezas, dúvidas,
tensão, perigo. Duzentas toneladas de combustível
impulsionam. Calor, vibração, fogo ardente conduzindo
esperanças. O coração acelera. O desejo incontrolável
domina o medo. A paixão pela superação. A
atração do desconhecido. Conhecer os limites. Deixá-los
para traz. O sonho vence a razão fria. As mãos se
juntam fortemente na incerteza do futuro, na força da união,
no prazer de um segundo de felicidade infinita. Momento que muito
poucos conhecem realmente. O momento máximo, tão
esperado, se aproxima. A contagem ecoa em cada segundo. Partimos,
juntos, para o espaço.
Nossos corpos sentem o estresse da jornada. A satisfação
conforta. Sensações inesquecíveis. Inexplicáveis.
A luz do sol entra pelas pequenas janelas. Eu te vi pela primeira
vez. Olhei para você em seu esplendor. Imagem magnífica.
Instante único. Memória para sempre. Suas cores,
seu brilho, sua beleza inigualável, oásis nesse
Universo deserto. União instantânea. Amor à
primeira vista.
Orbitei atraido pela sua grandeza. Contornei suas curvas. Aura
brilhante. Ar protetor ao qual confiamos a nossa vida.
Da pequena janela da espaçonave, tantas noites dormi admirando
a sua beleza. Sonhei tanto com você, sonhei tanto com esse
momento. Ali estávamos nós, distantes, e tão
perto.
A luz do sol surge no seu horizonte a cada 45 minutos. Ilumina
seu relevo entre um arco envolvente de luzes. Negro, vermelho,
laranja, amarelo, cinza, branco, azul, violeta, negro. Muitas
cores formando uma coroa coberta de estrelas com um diamante de
luz no seu centro.
Sua visão é de paz. Sinto paz ao olhar para você.
Gostaria de tocá-la, acariciá-la. Não posso,
aqui, distante, fechado nessa espaçonave. Fico triste ao
ver quando choras pelo abuso, mal trato e descaso daqueles mesmos
que, nesse instante, podem te tocar, aqueles que convivem em seu
carinho, e respiram do seu ar. Mesmo assim te agridem tanto. Usam
seus recursos. Sujam suas águas. Consomem sua vida...e
não te dão valor. Sofro contigo. Queria poder te
tocar...não posso. Mas vejo seus horizontes mais distantes,
iluminados.
Eles, aqueles que vivem em você nesse instante, tocam seus
mares, sentem seu cheiro, mas não enxergam além
dos seus curtos horizontes egoístas. Vêem seus próprios
interesses. Seus desejos imediatos. Pequenos horizontes próximos,
sem forma definida. Apenas os obstáculos mais altos que
compõem a paisagem nos seus caminhos, nas suas próprias
definições de esperança, de paz e de liberdade.
E assim, olhando para os seus próprios umbigos, marcam
sua pele linda, causam feridas difíceis de cicatrizar.
Respiram teu ar e te sufocam, enquanto choras em rios sem vida.
Mesmo assim tens paciência com os filhos. Tens a paciência
e o carinho das mães. Às vezes explode em curtos
momentos de tormenta. Mostra a sua força. Avisa da urgência
pelo destino.
E eu, assisto, dessa pequena espaçonave, sonhando em te
sentir novamente. Admirar sua beleza é algo esplêndido
e único, mas tocá-la e respirar seu ar é
algo divino, que só nos damos conta quando estamos distantes.
Saudades de você. A incerteza nos riscos da volta me fazem
olhar para as estrelas. Um dia te abraçarei do infinito.
Sinto-me pequeno. Minha vida talvez seja muito curta. Olho novamente
para as estrelas. Olho para você. Penso no que significa
tudo isso. Penso em Deus. Percebo que somos parte de tudo isso.
Apesar de tão pequenos, tão insignificantes. Somos
parte de todo esse infinito maravilhoso. Natureza, Universo, Deus,
qualquer que seja o nome. Eu sou parte do todo. Então,
a certeza que consola toma conta da alma inquieta. Se eu sou parte
desse Universo, eu não sou tão pequeno. Na verdade,
eu sou do mesmo tamanho. Interpreto, assim, a essência de
ser criado à imagem do todo. Nós não somos
insignificantes. Nós somos o significado.
O dia do retorno chega movimentado como todos os outros no espaço.
A viagem de volta é também turbulenta e perigosa.
A vida novamente por um fio. Lutamos contra tudo em uma pequena
e corajosa cápsula. A temperatura é alta nesse mergulho.
Mais de 2000 graus derretem algumas partes externas. Mas o desejo
de voltar é novamente superior a qualquer medo. Tudo parece
tentar impedir o reencontro. As acelerações, nossas
falhas, nosso cansaço. Continuamos assim mesmo.
A última visão das estrelas é triste e feliz.
Deixo o espaço confiante. Não sou a mesma pessoa.
Sei o que sou, o que quero, e o que preciso fazer. Estou louco
para poder tocá-la novamente. Eu preciso de você.
Respirar seu ar. Colocar os pés na areia da praia. Sentir
o cheiro das manhãs. Você também precisa de
mim. Somos parte um do outro. Volto feliz. Eu te amo, e Deus existe!
O pouso é um grande impacto. Todos assistem em grande expectativa.
Coloco meus pés no solo. Pego um pouco de areia. Ela escorre
entre os dedos e voa com o vento. Sinto a sua energia fluir no
meu corpo novamente. Olho para o céu. Ainda está
escuro no deserto do Cazaquistão. As estrelas cintilam
como se despedindo. Sinto a brisa da manhã no meu rosto.
Estou em casa.
Abraços e beijos. O coração, feliz, bate
forte. Estou cansado da labuta. Você me conforta. Descanso
em suas águas mornas. Carinho envolvente de suas ondas
e do calor delicado dos raios do sol que você separa para
mim.
O sorriso no meu rosto refletirá sempre a felicidade de
estar com você novamente. Ele sela a minha promessa de fazer
tudo, pelos dias restantes de minha vida, de forma que o nosso
futuro seja de paz entre os homens, que as crianças aprendam
o verdadeiro significado de suas vidas, que os horizontes de cada
pessoa sejam também os seus, que haja harmonia com a verdadeira
bondade, que não existam mais feridas e cicatrizes em sua
linda pele de tantas cores vistas do espaço, e que não
existam mais razões para você chorar.
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